Inúmeros são os aprendizados que fazemos vida afora voluntária ou involuntariamente. Porém existe uma tríade que, independente da nossa vontade, temos todos que aprender: trata-se da aquisição das faculdades do ANDAR do FALAR e do PENSAR que se sucedem invariavelmente nessa direção e têm uma interdependência entre si revelando como a atividade motora tem influência formativa sobre o corpo e cria as bases para as faculdades cognitivas.
Como podemos entender isso?
A Teoria da Metamorfose reza que: “cada estágio do desenvolvimento, contém em si, todos os seus estágios precedentes”.Goethe (1749-1832).
Nesse sistema teríamos uma dependência real e progressiva dessas três etapas onde a qualidade PENSAR seria um produto do desenvolvimento do FALAR, que se atrelaria diretamente à conquista do ANDAR, R. Steiner (1861 – 1925).
O ser humano não nasce pronto como os animais; um bezerro, pouco tempo após nascido, já caminha. O homem carece de amadurecimento para conquistar essa façanha.
Ao observarmos o esforço da criança para ficar em pé e depois ANDAR, não imaginamos (ou esquecemos) o quão difícil é fazer todas aquelas repetições, cair e levantar milhares de vezes. É tanto esforço que esse processo é comparado a se tocar um instrumento musical com perfeição!
Sendo a criança pequena uma grande imitadora, ela só se ergue se houver um ser ereto por perto – ereto pelo movimento, pela atitude e também pela retidão tanto externa quanto interna.
Na busca pelo ANDAR, esse pequeno ser já pode mostrar sinais de sua personalidade, mas há que se considerar a influência marcante do meio e dos responsáveis por ele. Nesse período não se deveria colocar a criança em nenhuma posição que ela ainda não tivesse conquistado (bebê conforto, andador, etc.) É preciso respeitar o tempo dessas aquisições. A criança não deveria usar calçados até o completo desenvolvimento do ANDAR. Ela por si, deverá explorar todo o espaço físico em todas as dimensões – frente/trás/dentro/fora/direita/esquerda/cima/baixo – só assim conseguirá ir “tomando posse” de seu espaço e de seu próprio corpo.
Conforme o ANDAR vai se completando, o que acontece primeiro de lado e só depois de frente, começa um novo movimento no espaço interno, movimento este vinculado diretamente à respiração - ela vai como que deixando o seu “mundinho” próprio, sendo impulsionada a “trocar”, se relacionar com outro ser humano.
Nasce o FALAR que é diretamente proporcional à qualidade do desenvolvimento anterior – o ANDAR. Crianças que pularam etapas do andar como engatinhar, por exemplo, ou foram “escoradas” por quaisquer métodos, invariavelmente, terão dificuldades nessa fase (um exemplo comum é a gagueira).
A palavra é um poderoso formador e pode plasmar inclusive a estrutura física, por isso desde a mais tenra idade a criança deverá ouvir palavras bem pronunciadas, com concordâncias corretas, evitando todo tipo de fala infantil estereotipada tão comum e prazerosa quando nos deparamos com um lindo bebê!
A tonalidade e a modulação da voz deverão ser muito bem cuidadas ou poderemos impingir uma verdadeira “surra sonora” para a criança.
A fala da criança começa sempre pelo som das consoantes: mãmãmã, papapa, e assim vai evoluindo para formar palavras, depois as primeiras frases que já traduzem os primeiros movimentos de representações mentais que vão culminar com a terceira característica dessa tríade: o PENSAR. De inicio, esta é uma atividade simples, num espaço individual não obedecendo a nenhuma lógica. Nesse momento, essa criança deverá estar por volta do seu terceiro ano de vida e pela primeira vez, vai se auto- denominar – EU – o brinquedo é meu; eu quero isso, eu quero aquilo, demonstrando a aquisição de um amadurecimento anímico – espiritual mais avançado, sem o qual nenhuma criança conquista essa faculdade. É típico dessa fase uma atitude de oposição e negação ao mundo na tentativa de se fortalecer e desenvolver autoconsciência e auto-percepção.
Nesse momento a criança precisa de resistência e limites, o que deve ser feito de maneira sensata. Pedagogicamente pode-se vestir a criança com roupas mais justas; o que ajuda a contê-las; ou fazê-las inverter a situação que provocaram por “birra”, por exemplo – limpar o que sujou, refazer o que desfez – sempre amorosa, mas firmemente. Caso não se consiga fazer isso, essa criança poderá vir a ser um adulto que não perceberá a si mesmo - ou será “o espaçoso”, ou “o encolhido”.
O desenvolvimento do PENSAR continua em verdade pela vida toda. Nas Escolas Waldorf (método pedagógico desenvolvido por Rudolf Steiner e colaboradores em 1919) só se alfabetiza criança com seis a sete anos, obedecendo a um sinal físico dessa prontidão: a queda dos dentes; antes disso o PENSAR lógico roubaria forças que estariam à disposição da elaboração dos órgãos e sistemas.
Como propõe Piaget, o PENSAR lógico (fase cognitiva) estará pronto por volta dos doze anos. É nesse e somente nesse período que deveriam ser oferecidos os conteúdos de cunho mais abstrato e que exigem raciocínio lógico, comprovação, experiência prática como a Física e a Química. Para um bom desenvolvimento do PENSAR, especialmente pais e professores deverão apresentar os fenômenos como processos coerentes e vivos com começo, meio e fim. A criança poderá participar dos afazeres domésticos – bater um bolo, por exemplo, (importante saber que a criança não é da facilidade – ela irá preferir bater o bolo com as mãos a usar a batedeira) – ou ajudar a fazer um canteiro com ervas aromáticas, por exemplo.
São atividades simples, estimulantes e que ensinam como as coisas são feitas passo a passo e ajudam a ordenar logicamente os pensamentos. Será bem diferente se essa criança consumir somente bolos ou outros alimentos já prontos!
Podemos afirmar então que nos três primeiros anos de vida, a criança passa por uma evolução progressiva de importância vital para todo seu desenvolvimento humano posterior.
Estas seriam talvez as tarefas mais arquetípicas de todo aprendizado humano.
O ANDAR nos move, nos aproxima das pessoas, dos lugares, da natureza. O FALAR expressa, integra e socializa. O PENSAR nos liberta, e em liberdade reconhecemos nossa missão no mundo, nos dedicamos a um ideal e nos colocamos a serviço da humanidade.
Dra. Elaine Marasca Garcia da Costa é médica Pneumologista com formação em Antroposofia/Biografia Humana. Mestre em Ciências da Educação. Docente/ coordenadora do curso de pós-graduação - Antroposofia na Saúde na UNISO.
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